Eleições Municipais de 2020 devem ter maior representatividade feminina
Reserva de vagas e de fundo partidário, além do combate às candidaturas laranjas podem impulsionar novo cenário, em que mais mulheres ocupem lugares na política
14/05/2020 19:40
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Atualizado em 12/08/2022 19:02
O desafio está posto na política nacional: equilibrar o número de eleitoras e o de eleitas. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, são 77 milhões de mulheres votantes no país, o que corresponde a 52,5% do total dos brasileiros que vão às urnas. Apesar disso, 70% dos cargos eletivos ainda são ocupados por homens. No cenário baiano, a porcentagem é semelhante: 52% de eleitoras e apenas 13,6% de eleitas em 2018, dados do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia.
As estatísticas ganham ainda mais sentido com os dados de 2016, considerando que, naquele ano, foram realizadas Eleições Municipais, assim como acontecerá em 2020. No Brasil, 31,9% de candidatas eram mulheres e apenas 13,4% foram eleitas. Na Bahia, o número é parecido: naquele ano, foram 31,8% de candidaturas femininas e 12,3% de mulheres eleitas para as prefeituras e câmaras de vereadores.
As Eleições Municipais de 2020 podem alterar esse quadro. Com mudanças recentes na Lei Eleitoral (nº 9504/1997), a expectativa é que mais mulheres possam concorrer.
Desde 2009, a Lei das Eleições determina que a lista de candidatos deve respeitar um percentual mínimo de 30% e máximo de 70% para cada gênero. Apesar de não especificar, a cota acaba funcionando como reserva para as mulheres, historicamente excluídas da participação política no Brasil.
Outra mudança no cenário eleitoral ocorreu em 2018, quando o TSE confirmou que 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – o Fundo Eleitoral – fossem usados para as candidaturas de mulheres. Também ficou definido que o mesmo percentual deveria substituir os 5% do tempo de propaganda eleitoral gratuita que as mulheres já tinham conquistado no rádio e na televisão em 2013.
A avaliação do presidente do TRE-BA, desembargador Jatahy Júnior, é otimista. “A mulher é importante em todas as áreas e profissões, e na política não é diferente. Além da reserva de vagas e do Fundo Eleitoral, penso que tudo passa pela educação. Então, as novas gerações já serão formadas de maneira mais consciente e, a médio prazo, certamente esse percentual aumentará”, afirmou.
Candidatas laranjas
Um dos efeitos colaterais da reserva de vagas e de Fundo Eleitoral para fomentar a participação política de mulheres foi a candidatura de laranjas, ou seja, de pessoas usadas apenas para cumprir a cota. Nas Eleições Municipais de 2016, mais de 16 mil candidatos no Brasil não tiveram nem o próprio voto. Desses, mais de 14 mil eram mulheres, segundo o TSE. Em 2018, das prováveis 284 candidaturas laranjas, 241 (84%) foram de mulheres.
A resposta veio em 2019, quando o Superior Eleitoral julgou que candidaturas laranjas devem levar à cassação de toda a chapa. O entendimento do TSE aconteceu no julgamento de cinco candidatas à Câmara de Vereadores de Valença do Piauí (PI), que além de quantidade inexpressiva de votos, não fizeram campanha e prestação de contas. Uma das candidatas sequer foi às urnas para votar em si mesma.
A decisão do TSE abre precedente, explica o professor de direito Jaime Barreiros, analista judiciário do TRE-BA. “Eventualmente, ainda poderemos ter candidaturas desse tipo, afinal, são 5.570 municípios no Brasil. Mas, a partir do momento em que os processos chegarem à Justiça Eleitoral, a tendência será observar com rigidez o cumprimento efetivo dessa regra”. Para o professor, isso vai impactar diretamente no aumento da representatividade feminina nos parlamentos.
Organizar-se para ocupar 70%
As Eleições Municipais de 2020 devem fortalecer o debate sobre a participação efetiva das mulheres na política, considerando determinações da própria legislação eleitoral. Pela lei, os partidos que não conseguirem 30% de candidatas terão que alcançar este percentual barrando a candidatura de homens.
Para a juíza do TRE-BA, Andremara dos Santos, da 17ª zona eleitoral, isso revela uma distorção causada pelo pensamento de que só homens têm direito a ocupar o espaço político. “O que a lei diz é que, do número de vagas, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. Portanto, trabalhar com a máxima de que para as mulheres é reservado 30% das candidaturas é minimizar o espaço que, na verdade, ela pode ocupar na organização e na política partidária do nosso país. É não trabalhar com o fato de que ela pode, se tiver consciência e organizar-se para tanto, ocupar 70% das vagas”.
A avaliação da juíza do Eleitoral baiano ecoa as estatísticas e um cenário onde, apesar de todos os instrumentos legais e campanhas de incentivo, o Brasil ainda não conquistou equidade de gênero na política. As mulheres são 52% do eleitorado, mas apenas 15% de deputadas federais e senadoras e 14% de vereadoras. No Executivo, apenas o Rio Grande do Norte é governado por mulher e elas estão em apenas 12% das prefeituras.
Andremara dos Santos acredita que “falta muita estrada e adequação dos nossos espaços e poderes públicos à perspectiva de gênero”. Para ela, essa realidade será alterada apenas se a sociedade estiver consciente. “A mudança só virá com a educação política das meninas e meninos, dos homens e das mulheres. Mas, acima de tudo, com organização e consciência das mulheres, para que assumam o lugar que lhes pertence por direito”.
Reserva de cadeiras
O Brasil precisa evoluir para uma legislação eleitoral que contemple uma reserva, não apenas de candidaturas femininas e do fundo partidário, mas de mulheres eleitas, defende o presidente do TRE-BA, desembargador Jatahy Júnior. “Todas as medidas tomadas até aqui são necessárias, mas não suficientes, o que não nos impede de tomarmos outras, para agilizar o cenário que desejamos”.
Para o desembargador Jatahy Júnior, o país deve evoluir para que haja, no mínimo, 30% de mulheres em todos os espaços de representatividade política, seja nas câmaras municipais ou federais, nas assembleias legislativas, no senado ou na presidência do Brasil. “Temos que amadurecer essa ideia, debater e avançar, porque é de suma importância a participação da mulher na vida política do país”.
O professor Jaime Barreiros cita o exemplo da Argentina, onde o governo regulamentou a lei da paridade de gênero para o Congresso, elevando para 50% a cota de mulheres no parlamento. Em 2019, o país vizinho do Brasil realizou eleições paritárias, em que os partidos apresentaram o mesmo número de candidatos e de candidatas.
O professor pondera que, no contexto brasileiro, a solução que ele também enxerga como necessária ainda é vista como “radical” e que talvez não esteja em um horizonte tão próximo. “Mas, como isso já aconteceu em outro país e deu resultado, creio que, no futuro, teremos essa reserva”. Por enquanto, Jaime Barreiros acredita que as reservas de candidaturas e fundo partidário, além do combate às candidaturas laranjas terão efeito. “Isso também pode representar um aumento no número de mulheres e um maior equilíbrio nessa representatividade”.
/CB
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